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Foto: DivulgaçãoViolência e machismo não nasceram com os celulares e redes sociais. A dinâmica de propagação desses problemas é que foi acelerada exponencialmente na lógica do algoritmo
Coluna do Pablo Kossa: Adolescência retrata o fim da utopia cibernética
26/03/2025, às 13:09 · Por Pablo Kossa
“Criar meu web site
Fazer minha homepage
Com quantos gigabytes
Se faz uma jangada e um barco que veleje
Que veleje nesse info-mar
Que aproveite a vazante da info-maré
Que leve um oriki do meu velho orixá
Ao porto de um disquete de um micro em Taipé”
Pois é, Gilberto Gil... A gente pensou que o mundo
iria para uma nova e melhor fase com a internet. Estávamos errados. Tal qual o
genial baiano estava deslumbrado com a rede em 1997 como mostra a letra de Pela
Internet de 1997, também vivi essa fase do encantamento. Adolescência, a
bombadaça série da Netflix, nos apresenta a falência do sonho cibernético
noventista de forma brutal: com a morte de uma garota assassinada a facadas por
um moleque de 13 anos. Pesado.
O roteiro dos quatro episódios de cerca de uma hora cada é o
grande destaque. Filmado diretão sem cortes, que na linguagem técnica se chama
plano-sequência, não existem trucagens tecnológicas para envolver o público.
São só atores falando e cenas se encadeando. Se o texto não for ótimo, a obra
não se sustenta. Adolescência tem estofo e se garante esteticamente.
Dizem que os acidentes aéreos são sempre multifatoriais. As
grandes tragédias também são assim. Na obra tem bullying, falta de diálogo
familiar, misoginia, rancor... tudo ligado pela lógica perversa do algoritmo.
Não tinha como dar certo. Não deu na série. Não está dando na vida real.
Vamos parar de negar o óbvio: celular e redes sociais são
tão tóxicos quanto álcool e tabaco. Tal qual essas duas drogas legais são
vetadas para menores, é chegada a hora de debatermos algo nessa linha para a
nefasta tecnologia. Parece que a proibição dos celulares nas escolas
brasileiras está indo bem. Precisamos pensar em algo assim de forma mais ampla.
Violência e machismo não nasceram com os celulares e redes
sociais. A dinâmica de propagação desses problemas é que foi acelerada
exponencialmente na lógica do pornográfico algoritmo.
Adolescência já cumpriu a nobre função de uma obra de arte:
levantou um debate mais que pertinente na sociedade. Todos que trabalharam na
produção estão de parabéns.
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